O que está acontecendo com a APS?
Você já se perguntou como os recursos da Atenção Primária à Saúde (APS) são distribuídos no Brasil? Mais do que uma burocracia, o cofinanciamento federal tem impacto direto no atendimento prestado nos postos de saúde que integram o SUS. Recentemente, o Ministério da Saúde publicou a Portaria GM/MS 3.493/2024, que altera significativamente a metodologia de repasse de recursos para as equipes de saúde da APS.
O objetivo é tornar o sistema mais eficiente, justo e baseado em desempenho. Mas como isso afeta os profissionais de saúde, os gestores municipais e, principalmente, a população? É o que vamos explorar em detalhes neste artigo.
O que é cofinanciamento na APS?
Antes de mergulhar nas mudanças, vale recapitular um ponto essencial: a APS é a porta de entrada preferencial do Sistema Único de Saúde. Ela é composta por equipes como a Estratégia Saúde da Família (eSF), Atenção Primária (eAP), Saúde Bucal (eSB) e equipes multiprofissionais (eMulti), e é responsável por mais de 80% dos atendimentos realizados no SUS.
O cofinanciamento é a forma como o governo federal contribui com recursos para que os estados e municípios mantenham essas equipes ativas. E essa divisão de responsabilidades precisa ser bem organizada para garantir que o dinheiro realmente chegue onde é necessário.
A importância da nova Portaria GM/MS 3.493/2024
A nova portaria publicada em abril de 2024 estabelece diretrizes mais claras e detalhadas para o incentivo financeiro aos municípios. O destaque aqui é a valorização da qualidade e da territorialidade no atendimento.
Ao contrário de modelos anteriores, que muitas vezes repassavam recursos fixos com pouca ligação direta ao desempenho, agora o foco passa a ser em resultados concretos e acompanhamento da população atendida.
Dividindo o incentivo: vínculo, acompanhamento territorial e qualidade
A mudança estrutural está centrada em dois grandes componentes financeiros:
1. Componente de Vínculo e Acompanhamento Territorial
Este incentivo será repassado por 20 meses, considerando as equipes que estejam classificadas como “boas” conforme critérios do Ministério da Saúde. A ideia é garantir a continuidade do atendimento a populações específicas com base em critérios geográficos e de vínculo.
Assim, não basta apenas ter uma equipe ativa. É preciso que ela esteja comprometida com o acompanhamento contínuo dos cidadãos de sua área de abrangência.
2. Componente de Qualidade
Este é o coração da nova metodologia. Também com duração de 20 meses, o incentivo de qualidade será transferido com base em um conjunto robusto de indicadores. E aqui está a grande inovação: os repasses variam de acordo com o desempenho da equipe nos eixos temáticos definidos pelo MS.
Essa nova lógica traz uma visão mais meritocrática ao cofinanciamento da APS. Equipes que oferecem um atendimento de qualidade comprovada passam a receber mais recursos, criando um ciclo virtuoso de incentivo à melhoria contínua.
Quais são os eixos temáticos da nova avaliação?
Os indicadores de qualidade estão organizados por eixos temáticos, voltados para necessidades reais da população brasileira. Esses temas não foram escolhidos ao acaso — refletem os maiores desafios da saúde pública do país. São eles:
- Cuidado da pessoa com Diabetes Mellitus
- Cuidado da pessoa com Hipertensão Arterial
- Cuidado no Desenvolvimento Infantil
- Cuidado da Gestante e Puérpera
- Cuidado da Pessoa Idosa
- Cuidado da Mulher na Prevenção do Câncer
Esses temas têm impacto direto em milhões de brasileiros e estão relacionados a doenças crônicas, mortalidade evitável e qualidade de vida. Ao vincular o financiamento ao desempenho nesses cuidados, a APS reforça seu papel estratégico.
A inclusão da saúde bucal e da atuação multiprofissional
O documento também traz uma valorização importante para duas frentes muitas vezes subvalorizadas: a saúde bucal e as equipes multiprofissionais.
Indicadores para Saúde Bucal (eSB):
- Primeira consulta odontológica programada
- Tratamento odontológico concluído
- Taxa de exodontias (remoção de dentes)
- Escovação supervisionada
- Procedimentos preventivos
- Tratamento Restaurador Atraumático
Esses indicadores incentivam a promoção da saúde bucal desde a infância, além de reduzir tratamentos de urgência e mutilações dentárias.
Indicadores para Equipes Multiprofissionais (eMulti):
- Média de atendimentos por pessoa
- Ações interprofissionais (interação entre diferentes especialidades)
Essa abordagem integrada amplia a resolutividade dos serviços e evita a fragmentação do cuidado — um dos grandes desafios do SUS.
Uma transição progressiva: 20 meses de adaptação
Para que os municípios se adaptem às novas exigências, a Portaria prevê uma transição de 20 parcelas — ou seja, aproximadamente 20 meses — em que os recursos serão mantidos com base nos critérios da classificação “bom”.
Isso oferece uma janela segura para os gestores se adequarem à nova lógica de avaliação e para que as equipes aprimorem suas práticas. Também evita rupturas bruscas no financiamento, algo essencial para manter o funcionamento das unidades de saúde.
O impacto da suspensão de recursos
Outra parte sensível da mudança está relacionada à possibilidade de suspensão dos repasses em caso de irregularidades. Isso pode ocorrer de forma:
- Proporcional, afetando parte do componente fixo
- Total, atingindo toda a verba de uma equipe
- Ou afetando especificamente os Agentes Comunitários de Saúde (ACS)
É um mecanismo de controle rigoroso, que visa garantir o uso correto dos recursos públicos. No entanto, impõe uma responsabilidade ainda maior aos gestores municipais, que precisam manter sua documentação e atuação em dia para evitar prejuízos.
Como a nova metodologia se alinha à estratégia “APS Mais Forte”
As alterações integram o programa APS Mais Forte, que tem como missão consolidar uma Atenção Primária mais resolutiva, equitativa e centrada nas pessoas. E isso só é possível com planejamento, gestão baseada em evidências e financiamento inteligente.
Esse movimento vai ao encontro de práticas internacionais de saúde pública, que demonstram que investir na atenção primária com foco em qualidade é mais eficiente e barato do que tratar as complicações de doenças avançadas.
O papel das instâncias gestoras: Conass, Conasems e MS
As mudanças não foram feitas de forma unilateral. Houve pactuação tripartite — ou seja, envolvendo Ministério da Saúde, estados (Conass) e municípios (Conasems). Essa articulação garante legitimidade e coesão na implementação das medidas.
Além disso, o envolvimento das áreas técnicas do MS reforça a base científica e operacional das diretrizes.
O que os municípios devem fazer agora?
Diante de tudo isso, os gestores municipais de saúde têm algumas missões urgentes:
- Avaliar o desempenho atual das equipes nos eixos temáticos propostos
- Investir em capacitação e formação contínua dos profissionais
- Aperfeiçoar os sistemas de informação, garantindo o correto registro dos atendimentos
- Criar estratégias de melhoria contínua, com base em metas realistas e indicadores mensuráveis
Além disso, é hora de fortalecer o diálogo com os conselhos municipais de saúde e com a população atendida, promovendo a transparência do uso dos recursos.
O que essa mudança representa para os profissionais da saúde?
Para médicos, enfermeiros, dentistas, agentes de saúde e demais trabalhadores da APS, essa nova lógica representa maior valorização da qualidade do trabalho. O desempenho das equipes passa a ser visível, mensurável e recompensado financeiramente.
Ao mesmo tempo, exige um novo olhar para o planejamento das ações, integração entre categorias e uso de protocolos clínicos baseados em evidência. É um desafio, mas também uma oportunidade de crescimento profissional.
Considerações finais: Um passo rumo à maturidade do SUS
A nova metodologia de cofinanciamento da APS é mais do que uma mudança técnica — é um avanço no sentido de um SUS mais eficiente, transparente e centrado nas necessidades reais da população.
Ao priorizar a qualidade, o vínculo e o acompanhamento longitudinal, o Ministério da Saúde promove um realinhamento do sistema com os princípios da atenção primária moderna, sem perder de vista a equidade e a universalidade do SUS.
Trata-se de um passo importante rumo à maturidade da gestão pública em saúde, onde cada real investido tem um propósito claro e mensurável.
Agora queremos saber de você:
- Como sua equipe de APS está se preparando para essas mudanças?
- Você acredita que os novos critérios vão de fato melhorar o atendimento à população?
- Quais os maiores desafios para implementar essa nova metodologia no seu município?
Deixe seu comentário e participe do debate! A troca de experiências é essencial para o fortalecimento da nossa saúde pública.